Geralmente, o fenômeno de resiliência costuma ser definido como a capacidade humana de se adaptar diante da tragédia, do trauma, da adversidade, das dificuldades e dos constantes estressores da vida como divórcio, doenças crônicas, incapacidades e lutos. Os estudos de resiliência surgiram a partir de trabalhos iniciais que identificaram grupos de crianças que demonstraram uma notável capacidade de não apenas se recuperarem, mas terem verdadeiros despertares e florescimentos, apesar das condições precoces caracterizadas por uma extrema adversidade. Em alguns desses trabalhos, a família foi frequentemente entendida como um mecanismo primário de adoecimento, mas algo que as crianças resilientes conseguiam superar com certo sucesso.
Os trabalhos posteriores sobre o tema expandiram o conceito de resiliência e o reconhecimento cada vez mais para entender que muito embora o ambiente familiar possa impor restrições que podem colocar em risco o desenvolvimento de crianças, este também pode servir como importante função de proteção. Parece até meio paradoxal, não? Pois é! Isso acabou por contribuir para a proliferação de uma perspectiva de estudos e práticas baseadas na força das famílias não apenas vistas como desordenadas, desajustadas ou disfuncionais, mas também como famílias capazes em seus aspectos funcionais. As famílias são consideradas um sistema dinâmico que detêm tanto a capacidade de demonstrar (dis)funcionalidade quanto resiliência diante dos estressores encontrados. Ao identificar os processos críticos de proteção utilizados por aqueles que demonstram resiliência, os profissionais da saúde e da assistência social que trabalham com famílias em risco podem incentivar padrões positivos de avaliação e enfrentamento que promovem a adaptação contínua.
Especificamente para crianças vítimas de maus-tratos, a autoestima positiva, a resiliência egóica e o supercontrole do ego previram um funcionamento mais resiliente. A resiliência está fortemente associada a uma redução no risco para os transtornos relacionados ao uso de álcool, por exemplo. Por isso que algumas intervenções universais baseadas em escolas têm abordado o conceito em adolescentes como um meio de reduzir o uso de substâncias pelos mesmos.
Entre esses programas, destaca-se o alemão chamado Strengthening Families Program e o suíço conhecido como Resilience Curriculum (RESCUR). Nem todos têm obtido resultados favoráveis, o que nos leva a crer que trabalhar somente a resiliência pragmática não parece ser tão eficaz quanto se esperava inicialmente. Esses complexos entendimentos e relacionamentos em torno do tema parecem ser o resultado da sobreposição de influências genéticas e ambientais compartilhadas – que, por sua vez, afetam a resiliência e o risco de uso de álcool, bem como outros problemas posteriores com substância ao invés de um relacionamento causal direto, por exemplo.
Influências genéticas na resiliência contribuem para internalizar fenótipos em um grau mais alto do que para fenótipos externalizantes. Influências ambientais também podem ter um efeito duradouro. Vínculos pessoais com as redes sociais, modelos familiares e de apoio, além da necessidade de moradia segura e estável, em geral, são apontados como a chave para a resiliência, principalmente de jovens em situação de maior vulnerabilidade social. No entanto, praticamente toda a covariância entre a resiliência e os fenótipos tendem a ser genéticas. Parece que existem diferenças importantes no status da dopamina e nas experiências subjetivas de drogas estimulantes em razão da história familiar de transtornos por uso de álcool. Esses achados podem ter importantes implicações para a compreensão do risco de desenvolvimento do alcoolismo na prole de quem tem uma história família positiva ou negativa de consumo de drogas.
Isso talvez nos remeta também à necessidade de revisitar o fenômeno de resiliência e entender que os fatores genéticos, de vivência e familiares importam, mas devem existir outras circunstâncias a serem desvendadas para melhor compreender esse constructo. Será que fatores epigenéticos (termo referido como uma extra informação genética que, com ajuda de modificações de cromatina e DNA, auxiliam ou inibem determinado genes. A expressão gênica segue uma ordem: DNA -> RNA) estariam em jogo nesta complexa interação da resiliência? Ou ainda, será que resiliência é algo que deve ser monitorado de forma contínua, como se tivesse um prazo de validade? Muitas perguntas sem respostas conclusivas até o momento. Daí, a urgência do constructo/fenômeno mundialmente conhecido como resiliência precisar estar em constante revisão para atualizar-se e, por conseguinte, fazermos uso de forma assertiva e construtiva em nossas intervenções.
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